O artigo técnico aborda a utilização do escore linear como ferramenta para acompanhamento da qualidade de leite. Além de facilitar a interpretação dos resultados, o escore linear possibilita a identificação mais objetiva das perdas ocasionadas pela mastite.
Por Lívia Mirelle, graduanda em medicina veterinária, estagiária – Equipe IDEAGRI.
INTRODUÇÃO
Na atividade leiteira, um importante fator econômico é a produção de leite de acordo com os parâmetros específicos de qualidade. Diversas alterações podem interferir na produtividade, no processamento, no rendimento dos seus derivados e no tempo de vida de prateleira; ocasionando, assim, grandes prejuízos para a indústria de laticínios e para o produtor rural.
No Brasil, as características produtivas mais enfatizadas pelos serviços de controle leiteiro são a produção e o teor de gordura do leite, considerando os sistemas de pagamento do leite com base no volume e no conteúdo de gordura. Sendo assim, para produzir leite de qualidade, é necessário, além de outros fatores, que os animais sejam saudáveis e que a ocorrência de novos casos de mastite, em especial a mastite subclínica, seja monitorada constantemente.
MASTITE
A mastite é a doença infecciosa mais comum em vacas leiteiras e a que mais causa prejuízos, incluindo: a redução na produção, a interferência na qualidade do leite, o aumento dos custos com tratamentos e, até mesmo, o descarte precoce das vacas com mastite crônica.
A mastite tem duas formas de apresentação. Na forma clínica, o diagnóstico é fácil em função da existência de sinais clínicos característicos de inflamação, como: aumento de temperatura no teto afetado, dor, glândula endurecida com presença de edema; sendo que os primeiros jatos de leite apresentam-se com grumos, pus e sangue, tornando o leite com aspecto aquoso e alterando sua coloração. Na forma subclínica, o diagnóstico é difícil pela ausência de sinais clínicos visíveis, sendo esta a forma responsável por aproximadamente 70% das perdas econômicas decorrentes da mastite.
Para o diagnóstico da mastite subclínica, é indicada a contagem de células somáticas (CCS) no leite. Contudo, a CCS pode variar segundo diversos fatores, tais como: a idade do animal, o estádio de lactação, o estresse, a época do ano, a nutrição. Porém, o fator mais preocupante é a presença de mastite no rebanho. A CCS é caracterizada pela presença de células de descamação da glândula mamária. Este é um processo fisiológico de renovação do epitélio pelas células de defesas (leucócitos), que quando presentes, estão agindo em resposta a uma agressão sofrida pela glândula mamária.
Em estudos realizados observou-se que a CCS pouco se altera na ausência de infecção da glândula mamária, sendo que o principal fator que influencia a CCS é o grau de infecção da mesma. Em vacas sadias, são encontradas baixas quantidades de células somáticas, geralmente menos de 50.000 por mililitro (cel/mL). Entretanto, diversos autores consideram que a CCS de até 250.000 cel/mL não afeta a produção e a qualidade do leite produzida” Valores que ultrapassem o limite estabelecido de CCS no leite são considerados mastite subclínica.
A inflamação da glândula mamária, ocasionada pela mastite, causa alteração do sabor do leite, deixando-o salgado devido às substâncias do sangue (dentre elas, íons de cloro e sódio) que vão para o leite, juntamente com os leucócitos. Podem, também, ocorrer alterações na composição das proteínas e gorduras devido à ação de enzimas. Outra questão, é que as células secretoras acabam perdendo eficiência e produzindo menos. Estes fatores ocasionam redução na produção e perda de qualidade do leite.
É de fundamental importância para o sucesso da produção a avaliação da ocorrência de casos de mastite no rebanho, a fim de auxiliar na adoção de melhores procedimentos e de medidas terapêuticas e profiláticas visando à diminuição das perdas econômicas.
AVALIAÇÃO DE MASTITE PELO ESCORE LINEAR
O escore linear é adotado como padrão pelo Programa Nacional Cooperativo de Melhoramento Genético do Gado Leiteiro (DHI) dos Estados Unidos desde 1982.
O escore é obtido por cálculo matemático, no qual os valores de CCS são transformados em 10 categorias de 0 a 9.
Como pode ser observado na tabela abaixo, o uso do escore linear facilita a interpretação dos resultados, uma vez que a cada aumento de 1 (um) escore linear a CCS é dobrada.
Adicionalmente, a utilização do escore linear possibilita a identificação mais objetiva das perdas ocasionadas pela mastite, uma vez que há uma correlação negativa entre o escore linear e as perdas de produção de leite, a partir do escore 3.
Embora não haja valor absolutamente definitivo de escore linear para constatar se uma vaca esta infectada ou não, utiliza-se como referência o valor de escore linear maior que 4 para indicar animais com mastite. Esse valor não é um critério aleatório, mas sim, baseado em análise estatística, objetivando minimizar a ocorrência de resultados falsos positivos e falsos negativos.
A CCS é transformada em escore linear pela fórmula (EL = [Log2 (CCS/100.000)] + 3).
Tabela: Relação entre escore linear do rebanho, ponto médio e variação da contagem de células somáticas.
Fonte: BRITO, et al. 2005
Em estudos realizados com análise de 1.361 amostras de leite para: CCS, concentração de lactose e sólidos totais, observou-se que as concentrações de lactose apresentaram correlação negativa com o escore linear, sendo que o aumento do escore linear ocasionou uma queda significativa na concentração de lactose do leite. Ao se comparar leite de vacas com mastite e leite de vacas saudáveis, observou-se menor concentração de lactose no leite contaminado. Esta redução deve-se à infecção da glândula mamária, ocasionando destruição de tecido secretor e, consequentemente, redução da síntese de lactose. Contudo, as concentrações de sólidos totais não apresentaram correlação significativa com o escore linear. Não existindo evidências estatísticas de que o valor esperado de sólidos totais esteja relacionado com o escore linear. As alterações no nível e na composição de gordura do leite ocasionadas pela mastite são pequenas e somente irão ocorrer, na maioria dos casos, quando a infecção da glândula mamária for severa.
Considerando o exposto acima, fica claro que a realização de controles eficientes dos casos de mastite e o armazenamento adequado dessas informações, possibilitam a análise precisa dos dados e facilitam a tomada de decisões. Um bom software de gerenciamento é uma ferramenta extremamente útil neste processo: permitindo a obtenção de índices (escore linear, por exemplo) e de avaliações comparativas que são indispensáveis para aumentar a produtividade e reduzir as perdas. Veja um exemplo para análise de ocorrência de mastite subclínica e avaliação de escore linear.
Figura 1: Avaliação da prevalência, incidência dinâmica e cronicidade de mastite subclínica em relação ao número de animais avaliados.
Fonte: IDEAGRI
Figura 2: Avaliação do escore linear no mês atual em relação ao mês anterior
Fonte: IDEAGRI
Observe que nos eixos X e Y do gráfico estão localizados os escores lineares, sendo que o eixo X é referente ao mês anterior e o eixo Y ao mês atual.
- Quadrante A: os animais estavam no mês anterior com escore linear alto e no mês atual com escore linear baixo, ou seja, nesta avaliação os animais são considerados curados.
- Quadrante B: os animais estavam no mês anterior com escore linear alto e no mês atual o escore linear continua alto, ou seja, nesta avaliação os animais são considerados crônicos.
- Quadrante C: no mês anterior os animais estavam com escore linear baixo e no mês atual o escore continua baixo, ou seja, os animais são considerados sadios.
- Quadrante D: no mês anterior os animais estavam com escore linear baixo e no mês atual com escore linear alto, ou seja, são consideradas novas infecções.
CONCLUSÃO
Conforme exposto, fica claro que a mastite ocasiona perdas econômicas consideráveis na produção de leite, sendo que a mastite subclínica é a mais preocupante, podendo passar desapercebida, caso o produtor não tenha um sistema eficaz de controle e acompanhamento do rebanho.
O escore linear é o método mais recomendado para avaliação da ocorrência de mastite subclínica no rebanho, não sendo fortemente influenciado por pequenos grupos de animais e, sim, considerando a média real do rebanho.
Porém, o escore linear, avaliado isoladamente, não proporciona ao produtor informações claras a respeito da evolução dos casos. Faz-se necessária, portanto, a avaliação comparativa entre o mês anterior e o mês atual, para que sejam visualizados os novos casos de mastite subclínica, casos crônicos, animais curados e/ou sadios.
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