A cada ano, a Fazenda Cruzeiro ganha mais notoriedade pela eficiente combinação entre a simplicidade na lida com o rebanho e as novas ideias de gestão. Filho e neto de produtores rurais, Romano começou a explorar gado de leite quando tinha apenas 18, em meados da década de 1950. “Meu pai morava em uma casinha de pau a pique e tinha 17 vacas Gir, sem padrão, que tratava em um curral de bambu”, conta Stella Maris, uma de suas filhas. Aos poucos, aquele jovem pecuarista foi ampliando seu espaço, aproveitando as oportunidades de comprar terras vizinhas. “Ele era visionário e audacioso, um gestor que enxergava longe e não tinha medo de investir”, ela acrescenta. Com o tempo, Romano se tornou um nome forte na seleção do Girolando em Minas Gerais. A Fazenda Cruzeiro utiliza o sistema de gestão IDEAGRI.
A família unida dá sequência ao trabalho de Juca Romano (a partir da esquerda): Ronaldo, Ana Cristina, Roberto, Dona Nolvina, Stella Maris, Paulo Sérgio e Holyson |
O sistema de ordenha da Fazenda Cruzeiro, localizada na cidade de luz, no centro-oeste mineiro, é um duplo oito que atende a 700 vacas em lactação e cada uma leva cerca de seis horas. No final de setembro, foi definida sua substituição – que já deve estar em andamento – por outro com 12 conjuntos de cada lado, uma ‘espinha de peixe’ que, ocupando o mesmo espaço. Promete ganho em desempenho e melhores condições para os funcionários.
Foto: Romualdo Venâncio
A julgar pelos benefícios, a decisão pode até parecer simples, mas exigiu dos donos da propriedade e de seus consultores análises criteriosas dos diversos números e índices relacionados à gestão do negócio. Foram cerca de cinco meses de muita conversa até que tivessem a segurança necessária para aprovar a mudança. Assim tem sido a administração da fazenda, com base em uma diversidade de informações, equilibrando doses adequadas de cautela e ousadia.
Para se ter ideia, nos últimos dois anos foi possível reduzir o custo de produção em R$ 0,10 por litro com aumento de escala, melhoria da produtividade e mudanças na gestão de manejo. Considerando que a produção diária está em torno de 13.000 litros (média de 18,6 litros/vaca/dia), esta economia em centavos representa cerca de R$ 36.500 em um ano. É com esse tipo de empenho que a família de José Joaquim da Silva, mais conhecido como Juca Romano, tem valorizado seu patrimônio.
Quando faleceu, em 2012, aos 75 anos, a família decidiu dar sequência a seu trabalho e continuar vivendo exclusivamente da produção de leite. Dona Nolvina, sua esposa (que é chamada de Anita), e os filhos Ronaldo, Ana Cristina, Roberto, Stella, Paulo Sérgio e Holyson dividiram entre si a gestão do negócio. “Decidimos nos unir em torno do patrimônio, avaliamos o que fazíamos melhor e agora cada um toma conta de uma área”, explica Ronaldo, o primogênito, que é responsável pela comercialização dos animais.
Já Roberto cuida do plantio e da inseminação artificial, Paulo Sérgio e Holyson ficaram com o manejo do gado solteiro e a reprodução como um todo, enquanto Ana Cristina e Stella respondem pelo controle financeiro. Apenas um dos filhos, Pio Antônio, optou por seguir outro caminho distinto da pecuária.
MANEJO, PRODUÇÃO E GENÉTICA – A área total da fazenda soma 2.000 ha, e apenas metade das terras é destinada especificamente à produção de leite. Há 500 ha de reserva ambiental e outros 500 arrendados para a produção de cana-de-açúcar, um espaço independente que até parece ser outra propriedade, inclusive com estradas separadas. Dos 1.000 ha dedicados ao gado leiteiro, 170 são cultivados com milho para a produção de silagem e o restante é coberto com pastagem de capim braquiária brizanta, tanzânia e mombaça.
O rebanho, que tem em torno de 1.700 animais, é composto, além das vacas em lactação, de 112 vacas secas, 164 bezerras com até 4 meses, 109 fêmeas entre 4 e 12 meses, 290 entre 12 e 24 meses e 331 novilhas acima de 24 meses. Há ainda alguns touros com alto padrão genético para serem utilizados no repasse da inseminação artificial.
As vacas lactantes são tratadas no pastejo rotacionado, com divisão de piquetes no entrono da ordenha. A entrada e a saída dessas fêmeas nos piquetes são determinadas com base no monitoramento da altura do capim. Já as vacas secas e as novilhas são criadas em pastejo extensivo. Os animais de recria e jovens também, mas recebem suplementação até os 14 meses. Este último grupo e as fêmeas em lactação ficam confinados durante o inverno, mas no verão todos vão a pasto.
Há uma grande preocupação com o conforto dos animais. Em todas as áreas há, por exemplo, bosques de eucalipto que foram plantados com direcionamento apropriado (norte/sul) de forma a garantir sombra para o gado em parte do dia e também permitir, em outros momentos, o acesso da luz solar que ajuda a evitar a formação de lama. O espaçamento nos cochos, que estão espalhados em diversos pontos da fazenda, é outro fator importante para que o rebanho todo se alimente adequadamente.
“Também é importante a separação correta por categorias, para evitar a competição, como no caso da disputa entre vacas multíparas e primíparas. O primeiro grupo sempre acaba levando vantagem, além do que a exigência nutricional é diferente. As primíparas, por exemplo, estão produzindo e ainda em fase de crescimento”, diz Lucas Paim Delgado, médico-veterinário que atende à fazenda.
Em termos de sanidade, há um cuidado especial com a saúde dos cascos. Diariamente os animais passam pelo pedilúvio e também recebem o manejo de toalete sempre que necessário. A atenção aos carrapatos também é imprescindível. A fazenda tem um programa de controle de endo e ectoparasitas para determinar exatamente o momento em que o banho carrapaticida é mais eficiente.
“Separamos aleatoriamente uma amostragem do rebanho para fazer a contagem e verificar a fase de desenvolvimento dos carrapatos. Com esse manejo, o intervalo entre os banhos, que era de 15 dias, aumentou para 40 a 60”, comenta o veterinário, citando que a reprodução e a criação de bezerras são setores de extrema importância para o negócio, pois garantem a evolução do rebanho, a otimização da produtividade e a reposição.
O gado é todo Girolando, com grau de sangue que vai até os 7/8, nível que define a entrada de sêmen de touro Gir. As novas gerações a partir daí vão sendo levadas novamente em direção ao Holandês. A escolha dos reprodutores é feita com o auxílio de um programa de acasalamentos. “A cada ano trabalhamos com uma bateria diferente, sempre priorizando saúde e fertilidade, o que chamamos de vida reprodutiva”, explica Delgado.
“Entre os resultados já alcançados, destacamos a significativa melhora de úberes e aprumos. Hoje, fazemos a manutenção desses itens e cuidamos da capacidade de produção desses animais”, acrescenta. A inseminação começou a ser utilizada na Fazenda Cruzeiro em 1982, uma ação pioneira naquela região. “Adotamos a técnica pela necessidade de melhorar a genética do rebanho e seguir as mudanças que vinham ocorrendo na pecuária nacional”, observa Ronaldo.
A fertilização in vitro (FIV), que veio um pouco mais tarde, também foi implantada com o intuito de aprimorar geneticamente o criatório e, ainda, contribuir para a manutenção do grau de sangue. Os embriões gerados a partir desse processo são implantados nas próprias vacas Girolando, elas mesmas são as receptoras. Todo o processo reprodutivo é direcionado a partir da avaliação fenotípica do rebanho, que define os pontos a serem melhorados. “Temos um banco de dados zootécnicos que começou a ser formado em 2004”, afirma Delgado.
Como não poderia deixar de ser, a seleção genética tem impacto direto nos resultados de produtividade na ordenha. Entre janeiro e julho de 2017, os dados médios de qualidade e sanidade foram os seguintes: contagem de células somáticas em 245 mil/ml, contagem bacteriana total em 10 mil ufc/ml, 4,08% de gordura e 2,45% de proteína. A Fazenda Cruzeiro chegou a conquistar a primeira colocação no prêmio “A Qualidade do Leite Começa Aqui”, promovido pela DSM-Tortuga, na categoria “Quantidade e Qualidade” para animais cruzados – região Oeste de Minas Gerais.
A fazenda tem controle leiteiro próprio, feito mensalmente. Mas há ainda coleta de amostras de leite para que se faça a contagem individual de células somáticas, levando-se em conta as categorias primípara ou multípara, estatísticas de leite (recém-parida ou não) e mais três dados: produção, reprodução (gestante ou não, inseminada ou não) e glândula mamária. Como o rebanho é heterogêneo, é preciso muita atenção. Os funcionários são treinados para que entendam bem essas informações e a relação entre ordenha, alimentação e sanidade, e como ela impacta no negócio de maneira geral.
O leite, é armazenado em dois tanques de expansão – um de 6.000 litros e outro de 7.500 litros – é todo comprado pela Embaré, que faz a retirada duas vezes ao dia. A empresa também tem contribuído com os produtores para que tenham custos mais enxutos e consigam uma gestão financeira mais eficiente. E o caso da compra de insumos, feita pelo laticínio, que por conta do volume consegue preços mais interessantes.
“A Cruzeiro faz contrato de farelo de soja e polpa cítrica, planejando as compras no momento de baixa”, comenta Márcio Antônio de Oliveira, consultor para gestão financeira por meio do sistema Educampo/Sebrae em parceria com a Embaré. “Atualmente, estão produzindo silagem de grão úmido para estocar. E a ração total é misturada na fazenda”, acrescenta.
GANHO A CADA CENTAVO – Oliveira atende à Fazenda Cruzeiro desde junho de 2015, com duas visitas mensais na propriedade. “Cada vez que venho aqui faço o levantamento dos dados zootécnicos e financeiros para abastecer o software de gestão”, explica o consultor. Este software é o Sistema de Gestão e Acompanhamento de Curso do Educampo, que processa as informações e gera os resultados a serem apresentado aos sócios. Como o Educampo conta com cerca de 800 fazendas em Minas Gerais, também é possível comparar o desempenho entre unidades produtivas que estejam nas mesmas condições. “Isso ajuda a avaliar o que pode mudar, como melhorar e onde é possível crescer, inclusive de olho nas tendências das demais propriedades.”
Informação de extrema importância para a gestão do negócio é o custo operacional total, que envolve itens como mão de obra, concentrado, luz, telefone, depreciação da fazenda e a retirada pró-labore dos sócios. De acordo com a metodologia do Educampo, entre os meses de agosto de 2016 e julho de 2017, o índice médio do custo operacional total da Cruzeiro foi de R$ 1,14 por litro. Nesse período, o preço médio que a fazenda recebeu pelo litro de leite foi R$ 1,51, o valor que leva em conta escala de produção e qualidade. “Considerando os últimos 12 meses, a produtividade foi de 3.971 litros/ha/ano”, afirma Oliveira, que acrescenta: “Isso mostra que ainda há muito espaço para crescer. Trata-se de uma fazenda de grande porte para o leite e pode evoluir bastante”.
É exatamente este o pensamento da família Romano. O objetivo para 2018 é chegar a 15 mil litros de leite por dia, aumentando o número de animais e também a produção média por vaca/dia. O passo seguinte é atingir a marca de coleta diária em 20 mil litros, meta ainda sem data definida.
Acesse o site da Fazenda Cruzeiro: www.fazendacruzeiro.com.br: