A mastite é um problema não apenas focal, mas, sistêmico, fato que deve estimular ainda mais o produtor a prevenir a doença e ser estratégico a fim de controlá-la no rebanho.
O conhecimento do impacto econômico da mastite sobre o setor leiteiro é necessário em razão de dois principais fatores: ter uma percepção realista dos custos associados com a mastite e avaliar o custo: benefício de medidas controle.
A doença pode acarretar em custos diretos e indiretos, e, entre este últimos (que não são facilmente percebidos), está a redução de fertilidade do rebanho, podendo resultar em aumento: do período do parto ao primeiro serviço, do número de serviços/concepção; dos dias em aberto até a concepção; do intervalo entre estros e do número de abortos.
Mas o que a ciência explica sobre a relação da mastite com o manejo reprodutivo das vacas?
Durante o processo inflamatório associado com a mastite, ocorre a liberação de mediadores inflamatórios que podem afetar órgãos e tecidos, entre eles, os do sistema reprodutivo.
Os prejuízos à fertilidade em decorrência de mastite podem ser associados com:
- alterações da atividade ou de níveis hormonais;
- intensa liberação de citocinas e interleucinas (atuando no sistema nervoso central e afetando a liberação e concentração de hormônios reprodutivos);
- reatividade de algumas espécies microbianas ao oxigênio;
- liberação de antioxidantes e mediadores inflamatórios, comprometendo ou inibindo a ovulação e a indução de morte embrionária ou fetal.
Estas condições estão relacionadas com alterações imunológicas e hormonais causadas pelo processo inflamatório durante a mastite. Também, vale destacar que infecções que ocorrem antes ou após a cobertura ou inseminação artificial (IA) diminuem a fertilidade de vacas leiteiras, reduzem as taxas de prenhez e aumentam o número de serviços.
Em relação à etiologia da mastite, as infecções intramamárias causadas por patógenos Gram-negativos afetam negativamente a função pré-ovulatória dos folículos, enquanto a mastite causada por bactérias Gram-positivas apresenta prejuízos no longo prazo sobre a fertilidade das vacas. A contaminação por bactérias Gram-negativas também favorece a liberação de endotoxinas após a fagocitose, o que pode induzir a luteólise e reduzir a taxa de concepção causando morte embrionária precoce.
Uma breve revisão sobre o impacto da mastite no manejo reprodutivo das vacas leiteiras
- Um estudo analisou a probabilidade de concepção de mais de 14 mil vacas em sete diferentes fazendas no estado de Nova Iorque, EUA, diagnosticadas com mastite causadas tanto por bactérias Gram-positivas quanto Gram-negativas. Como resultado, os autores reportaram que vacas com mastite apresentaram baixa probabilidade de conceber ao primeiro serviço e à medida que os serviços aumentaram (até a quarta IA) essa probabilidade reduziu. Além disso, vacas com mastite causada por bactérias Gram-negativas, cujo caso tenha ocorrido dentro dos primeiros sete dias após a IA, tiveram redução de 80% na probabilidade de concepção. Em resumo, a ocorrência de mastite clínica próximo à IA reflete em queda na probabilidade de concepção, denotando a interferência negativa dessa doença sobre a eficiência reprodutiva dos rebanhos leiteiros.
- Em uma outra pesquisa, vacas acometidas pela mastite no início do período pós-parto, entre os primeiros 15 e 28 DEL (dias em lactação), independente do agente causador da mastite ser uma bactéria Gram-positiva ou Gram negativa, apresentaram atraso no retorno à ciclicidade ovariana em relação às vacas sadias.
- Em contrapartida, outros autores, ao analisarem mais de 5 mil vacas, reportaram que a retomada da atividade ovariana até os 65 dias pós-parto (taxa de ciclicidade = 81,5%), assim como a taxa de prenhez à primeira IA pós-parto (39,4%) não foram influenciadas pela ocorrência de mastite clínica. No entanto, houve um aumento expressivo na taxa de perda de gestação nos primeiros 60 dias pós-IA (19,8%) em consequência da mastite. Isso reforça o conceito de que a mastite clínica pode ser considerada um fator de risco para a perda embrionária em bovinos.
- Em Minas Gerais foram avaliados os efeitos da mastite clínica antes ou após a primeira IA pós-parto e o impacto sobre o desempenho reprodutivo de vacas leiteiras. Para isso, dois rebanhos leiteiros, um composto por vacas da raça Girolando (170 vacas) e outro de vacas Holandesas (150 vacas), foram monitorados ao longo de um ano. Durante este período, dados reprodutivos e de ocorrência de mastite clínica foram registrados e posteriormente utilizados para os cálculos de taxa de prenhez por IA, número de IA/concepção e dias em aberto.
Os resultados do estudo mostraram que a taxa de prenhez por IA, o número de IA/concepção e dias em aberto não foram afetados pela ocorrência de mastite clínica em vacas Girolando. Por outro lado, a ocorrência de mastite clínica afetou negativamente o desempenho reprodutivo das vacas Holandesas. Houve redução na taxa de prenhez por IA em vacas que apresentaram dois ou mais casos de mastite clínica quando comparadas com vacas sadias. Além disso, vacas Holandesas que tiveram mastite clínica necessitaram de maior número de taxa de prenhez por IA. Adicionalmente, o maior número de dias em aberto foi observado para as vacas com dois ou mais casos de mastite clínica em comparação com as vacas que não tiveram mastite.
Os resultados apresentados mostraram que a eficiência reprodutiva de vacas Holandesas diminuiu devido à ocorrência de mastite clínica antes ou após a primeira IA pós-parto.
A mastite subclínica também é inimiga da fertilidade das vacas
É importante ressaltar que tanto a mastite clínica quanto a subclínica afetam negativamente o desempenho reprodutivo de vacas leiteiras. Em relação à forma clínica, a mastite causa prejuízos imediatos sobre a reprodução. Nos casos subclínicos, as vacas afetadas têm aumento dos dias até o primeiro serviço, aumento dos dias em aberto e aumento do número de serviços por concepção em comparação ao grupo de vacas sadias. Além disso, casos de mastite subclínica seguidos por episódios de mastite clínica resultam em prejuízos ainda mais acentuados sobre o desempenho reprodutivo.
Há muitos estudos sobre os possíveis mecanismos pelos quais a mastite subclínica influencia a reprodução e alguns relacionam estes efeitos com as alterações endócrinas. A mastite subclínica pode afetar os padrões hormonais e o desenvolvimento folicular, uma vez que a inflamação da glândula mamária estimula a liberação de inibidores de receptores dos hormônios reprodutivos, como FSH e LH.
Um estudo relatou que vacas diagnosticadas com mastite subclínica apresentam aumento do intervalo entre o estro e a ovulação de 30 para 60 horas. Este atraso na ovulação reduz substancialmente a probabilidade de fecundação bem sucedida das vacas inseminadas e isso se deve à curta viabilidade do espermatozoide no aparelho reprodutor da fêmea e dos ovócitos após a ovulação.
Outros pesquisadores reportaram que vacas acometidas pela mastite antes do primeiro serviço pós-parto, tanto pela forma clínica ou subclínica da doença, apresentaram período de serviço e intervalo parto-primeiro serviço prolongados e necessitaram de um maior número de serviços por concepção quando comparadas com vacas sem mastite. Ainda segundo a análise, quando a mastite subclínica evoluiu para a forma clínica da doença o impacto negativo sobre a reprodução foi ainda maior.
Assim, fica evidente que a mastite é um problema não apenas focal, mas, sistêmico, fato que deve estimular ainda mais o produtor a prevenir a doença e ser estratégico a fim de controlá-la no rebanho.
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Autora do artigo:
Raquel Maria Cury Rodrigues, zootecnista pela Unesp de Botucatu, especialista em Gestão da Produção pela UFSCar e redatora da Equipe Rúmina.
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